Não tem já o corpo solidão
Não tem já o corpo solidão. A clausura recordemos, a casa consideremos, ouro,
papel e vinho. Os canteiros dos vizinhos, junto às grades as hortênsias, claustros
de reproduzir gatos. A vigília contra a noite, o uso e a hesitação, indo em sufoco
despassarado o tempo. Alvorada ou diana, letargo ou desjejum. De improviso ou
de rompante nos esgueiramos para as árvores, com voragem de floresta. Tanto
viso, tanta brisa, damos costas a quem passa. Terra murada sem alento, em que excessos
a peste pomos, de manso adeus a outra guarida, outro quarto de escrever,
latifúndio entre paredes. Sou também as minhas posses, mais cadernos que ditames.
Há quem fique, bem atento, há quem vá para narrar. A toada da frase seu intento
é. Foi de cal, foi de calçada, a clausura recordamos, a nós consideramos, mais
os hábitos que os monges. Foi prisão, foi privilégio, quando muito, outro tanto.
Pois sem obrigação vos busco, vos dou conta do que penso. E logo vos desimpeço,
a palavra é adeus.
3 de julho de 2020
Ana Cláudia Santos (n. 1984)
Tem-se dedicado à escrita e à tradução de autores como Vico e Leopardi. Doutorada em Teoria da Literatura, tem exercido actividade profissional como editora numa instituição universitária. Publicado em 6-7-2020

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