Que límpidas as águas de Veneza…
Que límpidas as águas de Veneza
Que silêncio nas ruas de Londres
Que ar puro nos boulevards de Paris
Parece que finalmente o homem entendeu
Parece que finalmente os pássaros e as árvores
Conquistaram a terra
É primavera e o cheiro dos morangos inebria
Os viandantes
Mas onde estão eles os viandantes
Onde estão os derradeiros poetas
Do impossível?
O fantasma de Blake caminha nas avenidas desertas
E o fogo dos tigres caminha com ele
E com Borges mais o seu Aleph
Até as guerras subitamente silenciaram
Os seus canhões de séculos
Terão chegado os tempos da segunda vinda?
Estará Jesus de novo entre nós
Com o seu olhar límpido e transfigurado
De amor pelos homens?
Estaremos nós nos tempos finais?
Onde estão as multidões?
Onde estão os profetas?
Para onde foram os sacerdotes de todos os templos?
E os chefes incontestados e os generais e os almirantes?
Para onde foram as esquadras e os exércitos?
Que oculto desígnio operou o milagre?
No cosmos as estrelas continuam brilhantes
E a lua voltou a ser de novo uma inspiração para os amantes
Que bom termos acedido finalmente ao toque de Midas
Ao velho sonho dos alquimistas
Nicolas Flamel pode repousar descansado
E Nostradamus e o Bandarra
Tudo o que tocamos
Se transforma não em oiro mas em pedra!
Bem-vindos ao reino da Medusa!
29-3-2020
José Soares Martins (n. 1953)
Escritor e professor universitário. Co-autor de Setembro (1984), Ménage à Trois (2011), Bicho-da-seda (2020) e de obras e artigos na sua área de investigação, a psico-sociologia.
Publicado em 29-4-2020

San Giorgio Maggiore at Dusk or Sunset in Venice (1908). Claude Monet