Voos (a pedra e o pássaro)
Nunca caí em pleno voo
talvez porque nunca tenha conseguido voar
Mas conheci pedras que afeiçoadas à mão
e com o impulso certo
subiam mais alto do que muitos pássaros
Talvez se cansassem mais depressa: não tem jeito
nenhum para uma pedra ficar tanto tempo
afastada do chão: uma pedra é uma pedra:
sempre pedra - não é bicho
para se aninhar nos ramos da amoreira a parir um ninho
Tirando isso sempre preferi pedras a pássaros
além do mais se um dia atirarmos um pássaro a uma pedra
ela não nos vem cair aos pés feita um frangalho
de bico e penas sangrando
de
um minúsculo coração.
Rita Taborda Duarte (n. 1973)
Poeta, crítica literária e autora de obra vasta e premiada, na área da escrita para a infância e a juventude, desde A Verdadeira História de Alice (2004) até Um Hotel de Imensas Estrelas (2019). Últimos títulos de poesia editados: Roturas e Ligamentos (2015) e As Orelhas de Karenin (2019). Publicado em 27-5-2020.

Pessoa atirando uma pedra a um pássaro (1926) de Joan Miró